terça-feira, 18 de novembro de 2008

A Ludovina

A Cecília tinha várias irmãs e irmãos, alguns ainda solteiros que habitavam a mesma casa dos pais, outros casados que viviam em várias cidades do país e que, quando em férias, se alojavam lá ou tinham casa própria. Havia ainda um, casado com uma jovem muito gorda mas bastante bonita, que vivia lá na vila. Era carteiro. De entre as solteiras, a Ludovina era a mais problemática. Feia, nariz torto, dentes que os lábios não conseguiam cobrir completamente, mas um longo cabelo castanho ondulado e embora a pele fosse de um moreno vulgar e de uma textura relativamente grosseira, tinha um corpo de estátua que cobria excessivamente de roupa. De tal maneira que ninguém reparava nela e já ia trintando para quarenta, sem encontrar companhia permanente. Cedo o Cristóvão percebeu que aqueles achaques, aquele nervoso, aquele apego às cerimónias e ao arranjo da igreja, tinha um significado óbvio.

Como visitas da Cecília, a Zulmira e o Cristóvão ficaram em casa dos pais daquela ninhada de filhos.

As divisões eram quase todas de tabique, só as paredes exteriores eram de xisto com cunhais de granito e os tectos de forro de tábuas corridas excepto o último andar que era de telha vã.

Cristóvão gostava dos labirintos e varandas por onde se passava de uma casa a outra, da sequência de alcovas, cozinhas e salas, cubículos e salões.

Altas horas, vindo da rua, trepar, varanda a varanda, a um segundo e depois terceiro piso e encontrar o secreto corpo de mulher, o da Ludovina, que negava até à morte o gosto pelo sexo mas que na soledade da noite, na ausência absoluta de testemunhas, assim se entregava tão despudorada e gulosamente.

Os nãos que valem sins apaixonados e lânguidos tornam as mulheres absolutamente incompreensíveis. Mas que interesse pode isso ter?

Diminui alguma coisa o prazer que nos proporcionam o mistério dos seus pensamentos?

Fiquem-se com eles e ofereçam-nos a loucura dos vossos corpos frementes de desejo



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