terça-feira, 29 de julho de 2008
Arriscar o coiro
Havia uma bruma intensa naquele dia 23 de Setembro de 1965. Esperava-se que antes da tarde levantasse e assim, ninguém em casa da Zulmira pensou em alterar a programa da ida à praia. O marido, a filha mais velha, ainda bebé, e o irmão, que havia chegado a Lisboa na véspera para cumprir o serviço militar obrigatório em Caçadores 5, faziam parte do grupo. Foram para S. Amaro de Oeiras de comboio, pois, nessa atura ainda não tinham automóvel. As águas eram límpidas, a areia fina e quase não havia ondas. O sol não descobria e embora não estivesse frio, por volta do meio-dia começou a chover. Como a chuva engrossasse, regressaram a casa.
Esse inverno de sessenta e cinco, sessenta e seis foi muitíssimo chuvoso. A chuva começou naquele dia e, até Março ou Abril, choveu praticamente todos os dias. Por causa disso grandes neuras aconteceram na família. Entretanto, o Zé embarcou para a Guerra do Ultramar na Guiné, como atirador especial mas, tal como outros combatentes, orgulhava-se de nunca ter matado ninguém. O início ou ou fim de uma comissão eram bastante perigosos mas, depois, estabelecia-se um savoir faire entre os dois lados do conflito e chegavam mesmo a trocar géneros, informalmente. Deixavam, à noite, três ou quatro sacas de arroz junto ao arame farpado da fronteira e pela manhã iam lá buscar a vitela que os turras tinham deixado atada à estaca. Entre a arraia-miúda não se estabelecem ódios de morte. Pois só se combate porque os comandantes mandam, para fazer a vontade aos políticos, que fazem a vontade aos detentores dos interesses económicos, esses sim, com dinheiro e fazenda a ganhar ou perder, segundo os azares ou a sorte da guerra. Na guerra só os poderosos e os mercenários ganham, mas só arriscam o coiro os que combatem .
Esse inverno de sessenta e cinco, sessenta e seis foi muitíssimo chuvoso. A chuva começou naquele dia e, até Março ou Abril, choveu praticamente todos os dias. Por causa disso grandes neuras aconteceram na família. Entretanto, o Zé embarcou para a Guerra do Ultramar na Guiné, como atirador especial mas, tal como outros combatentes, orgulhava-se de nunca ter matado ninguém. O início ou ou fim de uma comissão eram bastante perigosos mas, depois, estabelecia-se um savoir faire entre os dois lados do conflito e chegavam mesmo a trocar géneros, informalmente. Deixavam, à noite, três ou quatro sacas de arroz junto ao arame farpado da fronteira e pela manhã iam lá buscar a vitela que os turras tinham deixado atada à estaca. Entre a arraia-miúda não se estabelecem ódios de morte. Pois só se combate porque os comandantes mandam, para fazer a vontade aos políticos, que fazem a vontade aos detentores dos interesses económicos, esses sim, com dinheiro e fazenda a ganhar ou perder, segundo os azares ou a sorte da guerra. Na guerra só os poderosos e os mercenários ganham, mas só arriscam o coiro os que combatem .
segunda-feira, 28 de julho de 2008
Portagem
A menina Zulmira nasceu numa aldeia da Beira Baixa, já há muitos anos. Estudou em Castelo Branco e na Covilhã, fez o Curso do Magistério Primário em Lisboa.
Em 1963 era professora, recém formada, em Lisboa, num daqueles bairros problemáticos da periferia...
Em 1963 era professora, recém formada, em Lisboa, num daqueles bairros problemáticos da periferia...
Cristóvão
Cristóvão só comprou automóvel depois de, penosamente, ter tirado a carta de condução em 1967. Logo, só em 1968, já no fim do ano, é que apareceu lá no bairro com um Simca 1000 novo. Era um carrito creme, muito claro, quase branco. Tinha um roncar-ronronar de motor característico e o condutor imensos vícios e tiques de condução. Um dos mais parvos era a grande aceleração que fazia quando estacionava, antes de desligar o carro. A Zulmira gostava daquela forma de chamar a atenção. Era, quer quisesse ou não, uma espantosa forma de se exibir.
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